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O QUE É RELATIVISMO PRAGMATISTA?

O QUE É RELATIVISMO PRAGMATISTA?

 

O que é relativismo pragmatista?

Protágoras1.

Frases que não me agradam. Eis algumas. “Mas, será que adotando essa postura, não caímos num relativismo?”. “Professor, com isso, o senhor não cai em um relativismo?”. “Ah, defendo essa postura de mantermos a liberdade de escolha, mas sem cair no relativismo”.

“Deus me livre cair no relativismo” ou “A Filosofia que me livre de cair no relativismo” são as duas frases que sintetizam as acima colocadas. Todas elas são frases desagradáveis. São frases que, tendo ou não asas, não ajudam a voar. Ora, mas o homem, exatamente por não ter asas, foi feito para voar.

O que não é de bom tom nessas frases – Nietzsche diria isso com propriedade – é que todas elas usam a palavra “cair”. Alguém capaz de voar tentaria dizer “será que não me elevo ao relativismo, adotando o que adotei?”. Colocar Protágoras na parte de baixo, como sendo inferior, até mesmo não filosófico já como ponto de partida, não é uma atitude pouco filosófica? Ou seja, ser amigo de Protágoras é decaimento?

2.

O jogo do relativismo tem o seu pontapé inicial com Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são o que são e das coisas que não são o que não são”. Na antiguidade, o elemento “homem”, da frase, foi lido como sendo o homem individual. Nos tempos modernos, houve aqueles que o viram como o homem genérico. Mas, em qualquer dessas leituras, o sentido da frase não é alterado a ponto de não vê-lo como o seguinte: o metrom com o qual mensuramos, regramos e avaliamos não é feito de um metal indestrutível, incapaz de se corromper e de se dilatar e está guardado em condições especiais em um banco da Suíça que, até pouco tempo, se fazia passar por indevassável, seguro e eterno. O metrom é algo completamente mutável, perecível e contingente: o homem.

Então, o que é mensurado, regrado e avaliado torna-se, no ato da mensuração, de governo e de avaliação, relativo ao homem. Seria interessante que o metrom estivesse “escrito nas estrelas”, mas Protágoras, sem qualquer pudor, o chamou de o homem, exatamente o que antes lembra o caos do que o cosmos, o todo belo e organizado.

Faltou a Protágoras ter lido Platão. O metrom poderia ser algo como as Formas. Caso Protágoras tivesse feito isso, hoje nós não saberíamos da existência dele. Ele ficou famoso exatamente porque, com uma frase só, nos obrigou, tantos anos depois, a ler uma obra toda na escola, imensa, os livros de Platão. E o pior, ao menos para Platão: há quem diga que toda a obra de Platão nada é senão uma resposta a Protágoras. Tantos volumes contra uma frase só. Convenhamos, Protágoras era um gênio. Ele inventou a filosofia ou, melhor dizendo, o platonismo na sua formulação canônica, que ensinamos na escola média ou nos primeiros anos do ensino superior.

Assim, o correto seria lermos a famosa frase de Whitehead “toda a filosofia nada é senão notas de rodapé à obra de Platão” como “toda a filosofia nada é senão uma imensa nota de rodapé – a obra de Platão – de uma única frase, a de Protágoras, a da teoria do homem-medida”.

Até aí, nenhum problema. Podemos ler Platão e perceber que o próprio Platão, talvez, não tenha terminado a sua vida adepto do platonismo.  Isso não é uma bobagem. É significativo que a Academia tenha se transformado tão rapidamente, após a morte de Platão, em uma escola cética. O problema aparece quando lemos Platão e, a partir de certa reverência que nem mesmo ele adotou para com suas próprias teorias, o colocamos em um pedestal e, então, tudo que possa vir a ter o odor protagoriano, tenha de vir junto com a palavra “cair”.

Relativismo? Ah, se é relativismo, para estar nele não usamos o verbo entrar, mas o verbo cair. Ah, se é relativismo, ele nós não adotamos, se estamos nele, caímos. Caímos? De onde caímos? Estávamos sobre que tipo de coisa para que se possa falar que caímos? Será que essa metáfora do cair diz alguma coisa que não apenas um vômito de idiossincrasia carregado de preconceito?

Para que Protágoras seja visto como uma valeta ou um buraco ou um precipício ou qualquer coisa assim, onde se possa cair, o que ele teria de fazer de ruim? Teria ele inviabilizado nossa possibilidade de saber das coisas? Teria a doutrina do homem-medida, uma vez adotada, nos feito incapazes de continuar a pesquisar corretamente para saber o que desejamos saber no mundo?

Para saber das coisas, em geral usamos de quatro procedimentos. É o que segue.

1. Investigamos as coisas por meio da razão de uma maneira particular, sem empiria, ou seja, só usando o raciocínio.

2. Investigamos as coisas por meio da empiria, ou seja, fazemos inferências que se iniciam a partir do que é posto pelos sentidos.

3. Investigamos as coisas por meio da credulidade nas autoridades, ou seja, consultamos e obedecemos dogmas, religiões, tradições, comandos políticos etc.

4. Por fim, investigamos as coisas por meio da conversação com pares ou não, na busca de consensos pontuais. Na maioria das vezes em que estamos em um processo de investigação real, utilizamos dos quatro procedimentos, dando pesos diferentes para eles, conforme nossa educação e conforme o que se apresenta como necessidade no momento.

A questão que ponho, então, é a seguinte: a teoria do homem-medida elimina esses procedimentos? Impossível. Cada um deles tem a sua legitimidade aos nossos olhos. Já tentamos várias vezes na história do Ocidente eliminar alguns deles e não conseguimos. Sendo assim, a teoria do homem-medida reaparece em cena, uma vez que ela é a que mais respeita essa nossa doutrina de que o máximo que podemos fazer é criar pesos diferentes para os procedimentos, segundo cada caso, mas que não achamos que melhoramos nossa investigação quando qualquer um deles é eliminado. A teoria do homem-medida se imiscui em cada um desses procedimentos, mas não estoura com nenhum. Ela é perfeitamente conciliável com esses procedimentos. Podemos saber das coisas por esses quatro procedimentos, sem eles, não podemos saber das coisas.

Entre a Teoria da Formas e suas variantes e a teoria do homem-medida, a primeira é frontalmente contrária a alguns desses procedimentos historicamente legítimos, pelos quais investigamos o que desejamos saber. A segunda não. A primeira poderia ser conciliável apenas com o primeiro procedimento do elenco. A segunda é perfeitamente adaptável a qualquer um deles, ainda que se tenha de fazer algum esforço lingüístico em certos casos.

Bem, até aqui expus em termos gerais e propositalmente frouxos – para que isso não vire um tratado – o que é o básico do relativismo (no confronto com o platonismo). Fiz isso levando em conta o modo como nós, pragmatistas rortianos-davidsonianos abordam o assunto. Assim, fica mais fácil, agora, jogar o jogo das minhas cartas.

3.

Com Dewey e, enfim, também na variante brasileira de Anisio Teixeira, o pragmatismo assumiu uma cosmologia em que tudo é visto como feixe de relações que só se estabelecem pelo recorte contingente. Todos esses feixes, quando há a participação do homem, são recortados para ganhar nomes específicos, sendo que o nome geral a eles dados é experiência. No caso, experiência aparece no duplo sentido de um mestre de Dewey e de toda uma cultura americana da sua época – Hegel. Assim, Dewey nunca viu experiência como experimento. Ele viu como Erlebnis e Erfahrung, ou seja, ele trabalhou experience como vivência e como experiência histórica, e não como Peirce, que tendeu a pensar em experimento, ou James, que tendeu a usar experiência com forte conotação psíquica. Cada experience receberia seu sentido e nome a partir de nós, os que dela participam. Por isso, em determinados momentos, para leitores descontextualizados – como Bertrand Russell e Max Horkheimer –, a prosa de Dewey pareceu circular, pois vida é experiência, educação é experiência, etc. Na base disso tudo, o que há? Relações. Descrever a experiência é, então, descrever relações. Re-significar (Dewey) a experiência ou redescrever (Rorty) situações e coisas é falar de mais ou menos relações dentro de recortes similares ao feixe escolhido.

Assim, quando um rortiano-davidsoniano diz que investiga alguma coisa, ele nada faz além de encontrar uma redescrição em que o feixe de relações que ele escolheu vai ganhar ou perder relações, de modo a ser similar ao feixe do qual ele partiu para a redescrição. Há, então, um novo desenho da experiência. O acúmulo dessas redescrições pode – mas não necessariamente deve – colaborar em bons insights sobre o que se investiga. O pragmatista rortiano-davidsoniano aposta nisso.

Eis então a ponte clara entre os protagorianos e nós, pragmatistas rortianos-davidsonianos. Somos relacionistas enquanto que eles são relativistas. Mas, dependendo do modo como a palavra “relação”, em alguma narrativa, pode ser trocada pela palavra “relativo”, podemos tranquilamente assumir que somos relativistas. Todavia, não caímos no relativismo. Nós, quando adotamos o relativismo, acreditamos que nos elevamos ao relativismo, e escapamos do no platonismo (não falamos, também, cair no platonismo).

Assim, ficamos de bem não com Protágoras. Com ele, ficamos mais ou menos de bem, se é que um dia brigamos com ele. Agora, ficamos inteiramente de bem com os procedimentos historicamente legítimos que temos usados para a nossa investigação. Os procedimentos de juristas, padres, cientistas, policiais, maridos traídos e sociólogos. Respeitamos, então, a palavra prasso, que deu origem a pragma e práxis. Respeitamos a prática como feito, façanha, e também como processo, realização. Adotamos “pragmatismo” como nome de nossa doutrina relacionista. Poderíamos ter adotado praxionismo. Todavia, nossos primos marxistas adotaram a práxis e a tiraram do contexto grego, dando-lhe um contorno judaico-cristão à medida que a colocaram enlaçada a teleologias. Nós não! Nossa prática não tem sentido posto. A prática ganha sentido quando, em cada experiência, determinamos o sentido. Somos nós que falamos, não o mundo; Rorty e Davidson insistem nessa tese. Somos obrigados, a cada recorte de um feixe e à cada redescrição do recorte, a falar novamente e novamente em sentido. Caso não pudéssemos fazer isso, ao descrever nossas atividades no mundo, teríamos de encontrar o sentido escrito nas estrelas. Então, teríamos deixado a amizade com Protágoras para, as escondidas, em ver Platão em algum bar.

Esse tropeço na amizade com Protágoras seria mais que indelicadeza, seria tolice. Não por amores demais. Mas simplesmente por amor fati – no sentido nietzschiano do termo. Temos de assumir a nossa realidade histórica e esta, no caso de nosso assunto, não nos permite chutar nenhum dos procedimentos de investigação. A cada investigação, nos embrenhamos nos quatro procedimentos que apontei. Sentimos que nossa investigação não foi boa quando não usamos todos os quatro procedimentos.

4.

Dito tudo isso, vale lembrar que o projeto de Rorty de se desligar da epistemologia nunca implicou, é claro, em abandonar o desejo de querer saber das coisas. O projeto de Rorty se pôs contra a epistemologia à medida que esta se apresentava como caudatária da tarefa inicial de Platão, ou seja, o trabalho de busca de fundamentos para as possíveis respostas que alguém viesse dar às perguntas de Sócrates, as perguntas do tipo “O que é F?”.

Sócrates, ele próprio, não fez investigações epistemológicas ou metafísicas. Nunca quis falar de garantias para possíveis respostas que viesse conseguir, ainda que nunca, efetivamente, tenha recebido uma boa resposta para suas perguntas. Ora, nisso o pragmatismo seguiu Sócrates. Antes ficar no elenkhós que tentar dar bases para o elenkhós.

O pragmatismo, com James, foi batizado como um “método para a verdade”. James queria dizer com isso que o pragmatismo não era uma teoria da verdade e nem estava se indispondo com teorias da verdade. Tratava-se apenas de apoiar procedimentos que não se desviassem de levar a sério a prática, ou seja, a experiência – do modo como a definimos acima. Quanto a este ponto, então, os quatro procedimentos investigativos aqui elencados continuariam valendo, e seriam potencializados se acoplados à idéia de tomar o que faz diferença na prática. Nada além do que aquilo que sempre fizeram os juristas, policiais, padres, médicos, maridos traídos, cientistas e sociólogos ao se colocarem dispostos a saber das coisas.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo.

http://ghiraldelli.pro.br